domingo, 19 de julho de 2009

Tom traubert's Blues

A porta abriu-se e fechou-se com a entrada de um senhor gordo de bigode e chapéu.
-Hello Frank.
-Hello Jim. What's it gonna be today?
Jim sentou-se num banco de bar alto, apoiou os pés numa barra de metal dourada e encostou-se ao balcão com um braço gigantesco. Com o outro levantou o chapéu branco e coçou a testa, arrastou a mão até ao bigode que penteou com a palma. Estava vestido de fato, também branco, enrugado. Ouvia-se a sua respiração, profunda, danificada por tudo o que a poderia danificar e disse:
-Jack Daniels, no ice. Thanks Frank.
Frank, o barman, detia-se em frente a Jim secando com um pano copos lavados, enquanto o cliente observava os brilhos no amarelado do seu whisky , bebia-o e voltava à observação, como para encher o espaço temporal entre os tragos.
Vê-los juntos era uma paisagem surreal. Frank era magro de corpo, magro de cara. Assim as rugas aumentavam, parecendo assim ser mais velho do que era. Com um nariz grande e olhos pequenos, algo no conjunto apontava para a longa testa calva. De suspensórios e camisa verde observava o seu bar e a sua face não distinguia emoções, mas um certo orgulho, uma identificação com o espaço semelhante à de um pai para com um filho, uma identificação de
-He looks just like his daddy.
estava implícita.
De luz vaga e ocasional, era um local pequeno e escuro que não atraía clientes, apenas aqueles que se atraíam por sítios sem clientes. E era essa a clientela que ele preferia. Por enquanto esta era constituida por Jim, à sua frente, um grupo de turistas portugueses numa das mesas do fundo, atraídos pelo aspecto que achavam típico. E depois havia Tom. Tom Traubert, o pianista. Era um rapaz calado, bebia muito e escrevia canções, levava um papel e lápis.
Com o cabelo puxado para trás, chegava sempre de fato. Andava curvado e dentro de uma figura pouco imponente estava alguém que não se podia evitar olhar. Havia algo de misterioso nele.
Tom enfiou a mão no bolso e tirou um cigarro e um isqueiro.
-Can't smoke here Tom, you know that.
Acendeu o cigarro e a face dele ficou iluminada por uma luz quente, amarela. Tinhas sobrancelhas carregadas, uma boca fina e larga e um queixo proeminente, naturalmente ou derivado da barba.
-C'mon Frank, it's cold out there.
-Rules are rules. I'm Sorry.
-Fine.
Tom pôs o casaco por cima do ombro direito e o chapéu na cabeça e saiu.

Lá fora, de braços enfiados nos bolsos, a noite era a noite. Fria, húmida. O passeio reluzia com os painéis luminosos dos bares e das lojas ainda abertas. O cigarro aquecia-o, aquele pequeno lume, mas não conseguia ser invadido pelo frio, pelo frio como noite, pela noite como memórias. Tom tinha muitas memórias dolorosas. Dolorosas para ele, mas não as contava a ninguém, receava que lhes retirassem o significado. E aquelas memórias eram tudo para ele. As saudades de Mathilda, a vontade de ir embora. Depois de ela se ter ido, copenhaggen perdeu o sentido. Fez a mala de cabedal velho e começou a viajar, a fugir. A fugir de Mathilda.
Atirou o cigarro quase terminado para o chão e pisou-o. Endireitou-se e olhou a noite, como quem observa algo que não está lá. Ou como se fosse a única pessoa a conseguir ver realmente. Um dos dois.
Viu no bar os turistas a pedir a Frank conselhos, a questionarem-no por cervejas da zona. Ele, sabendo as respostas, não estava habituado. Estava habituado aos seus clientes, estava habituado aos seus hábitos e assim, encolhia-se. Tom Sorriu e entrou na porta que abriu e fechou-se.

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