domingo, 23 de agosto de 2009

Le Pere Pinard

-Vai desejar uma sobremesa?
-Não, só um café e a conta. O café em chávena fria se faz favor.
A senhora vai e eu passo a mão pela toalha de papel da mesa, retirando as migalhas. O som áspero e tiro do bolso do casaco um postal que comprei antes. Tem uma imagem do café há uns atrás. Começo a escrever-te, Laura. Escrevo-te no dia vinte um de Junho e digo-te que me lembro. Que ainda me lembro dos teus anos, Que ainda te amo.

Vinte um de Junho.

Neste dia eu venho sempre a um sitio diferente. A um sítio nosso. Comemorar.

Desta vez estou em Maryland, onde passámos o verão de 91. Lembras-te Laura?
Eu lembro-me disto.

Tu num vestido vermelho com bolinhas e o sol a passar pelas folhas das árvores. A tua cabeça no meu colo, deitada. Os teus cabelos castanhos a escorrerem-me pelas pernas. E o sol passando entre as folhas deixava-te luz em manchas pela pele, manchas que mudavam. A brisa suave passava e na tua face calma reflectia-se a luz de verão.
As férias foram longas mas é este dia que me lembro. Deste momento, não sei porquê.
Eu contei-te histórias de como quando era criança brincava naqueles relvados. Brincava e corria e fazia coisas. Rapei o pêlo da cadela da minha avó e depois fiquei com pena e vesti-a com roupas minhas.
Eu contei-te histórias e tu sorriste. Foi das últimas vezes que te vi sorrir assim. Eras feliz. Ou parecias feliz.
Passei por aquela árvore hoje. Sentei-me e imaginei a tua cabeça no meu colo. Imaginei os teus cabelos nas minhas pernas e a tua face calma iluminada em pequenas manchas. Abri os olhos e eram as minhas pernas iluminadas em pequenas manchas.

-A sua factura.
-obrigado.

Laura, vou-me embora agora. Não te vou mandar o postal, hoje pertences a outras pessoas. Vou deixá-lo na árvore onde fomos felizes. Feliz aniversário querida.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Âncora (1)

És tu.

A puxar a gola do casaco, a tapar a boca e o fumo, vapor de água, condensação. O Teu quente contra o mundo frio.

És tu, meu docinho.

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Agora é verão e eu fujo do calor. Fujo para o norte, para as montanhas. Fujo para sítios de calças de ganga e mangas compridas. Fujo para ti.

Não sei se sou importante agora, se sou importante de referir. Mas digo-te: existo enquanto mãos frias, pontas de dedos rosadas e palma escondida à procura do calor nas malhas largas e grossas da camisola. Não sei o que sou: Sou uma dúvida existencial ainda, mas agora sem palavras, uma dúvida e o resto confunde-se-me Duvido até da minha auto caracterização aqui, duvido da possibilidade de uma, duvido da existência de carácter, personalidade, mas nada tenho para o justificar. Tenho uma dúvida e depois canso-me, acabo.
Inspiro.

Não sei o que dizer.

Agora estou cansado sem ti, Laura. Acho que é tudo. Minto: Cansado e frio. Isso és tu, meu amor, meu docinho. Minha Laura.
Estou nas montanhas, na casa onde ficámos há três anos quando nos conhecemos e tenho saudades tuas.