sábado, 17 de outubro de 2009

Parallel Lines

Desligo as luzes.

Todas, quase todas. Apenas uma quente, que me permite ver-te. Encontro-te dentro de uma cassete, uma das velhas. Aquelas que vinham pequenas nas câmaras e tinha de se usar um adaptador.



Tinha uma etiqueta horizontal branca, escrita com esferográfica azul.

Verão 2003, África do sul.



No escuro passo a mão pela textura do pedacinho de papel e vejo a tua mão, na luz dos teus cabelos molhados, do teu sorriso suave de praia, e dos olhos castanhos que naquele sol tinham feixes amarelados.

-És uma chata a etiquetar os videos todos e a escrever as datas.

-Oh, depois mais tarde podemos querer ver. Daqui a uns anos vai ter imensa piada.

-Eu sempre me habituei a colidir com as minhas memórias. Inesperadamente. Sem planear.

-És é preguiçoso.

Dali encontrava a praia. Um areal limpo, solitário mas contigo. Encostado no meu carro e tu à minha frente. Arrumaste a câmara e preparavas-te, o teu ritual pós praia. Empurravas os cabelos molhados para dentro de um elástico. Sentavas-te no banco do carro com os pés bamboleando deste lado, no resto do mundo. Via-os amarelados do sol, num bronze bronzeado, com a areia e tu sacudia-la em gestos cuidadosos. Na sombra o resto de ti, dobrada tentando chegar aos pés e no dobrado via a tua marca do bikini deslizar. Via aquilo que tinhas escondido na praia, via o que só eu via. E tentei não parecer demasiado contente, mas tu percebeste e sorriste.

Vejo uma etiqueta horizontal branca, escrita com esferográfica azul. E vejo mais, bastante mais. No entanto parece que estou a observar as memórias mais intímas de outra pessoa. Como encontrar um papel que diz
"Tenho que ir, desculpa. Amar-te-ei sempre."
Não podes evitar sentir o que está escrito apesar de não saberes do que se trata. E quando me lembro de ti.

Em mar ao longe, nas tuas pernas com água salgada como suor, nos teus cabelos apanhados rudes. Selvagem.

Lembro-me de ti como palavras, descrições e motivos pictóricos com um fim. Com o fim de me lembrar de ti. Em memórias cuidadosamente etiquetadas e datadas.

1 comentário:

a(muse) disse...

Música tão boa para acompanhar um texto tão bom!