terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

The Cure

4

Começa a bateria.
Sinto o baixo, a guitarra atrás de mim. O negro, o negro toca-me o suor na ponta do nariz. o suor que me cobre a cara, ou apenas a pele não sei, sinto-a mais pesada. A minha face tomba, olho o vazio. E depois sinto o baixo: já nem sei quando é que devia começar a cantar.

Ajoelho-me.

Na multidão à minha frente parece que vejo a tua cara. Os cabelos desalinhados, a maquilhagem negra. Face pálida. É a tua cara, eu apenas sou o teu espelho. Apoderei-me de ti. Agora voltaste. Pelo menos em transe. Mas voltaste

1

Foi ainda no início.

Agarravas-me nos ombros, eras dona de mim. Eu não vou mentir, eu nunca fui o homem que queria ser. Nunca fui forte ou masculino. E tu eras dona de mim.
Eu estava deitado. Tocascamente, agarrava-te os cabelos, passava as mãos pelas tuas costas. Mas deitado e observava-te. Era como se tivesses a perfeita noção de que te observava. Sabias como colocar o corpo, como inclinar as costas, de forma oposta os ombros, esticar o pescoço, abrir ligeiramente os lábios. Agarravas os meus ombros: eu era o teu apoio, um objecto de quem eras, um reflexo do que te aprazia. Eu era o teu vibrador, as tuas ancas levantavam e baixavam, mordias o lábio como se soubesses o que fazias (sabias) e como se soubesses que eu não fazia ideia (sabias). Olhava-te nos olhos. Adorava-te. A tua tez pálida, maquilhagem negra, cabelos desalinhados. Adorava-te, não por gostar de ti. Não eras fantástica como pessoa. Adorava-te por me ganhares a ser eu.

2

É apenas um espelho inclinado, um espaço cheio de pessoas que passam, pessoas que ficam, que acham que dá para conversar, as outras queixam-se, gritam, chateiam-se. Eu fico, sou dessas pessoas que fica. Mas fico no espelho inclinado, olho-me nos olhos. Na mão tenho o lápis preto grosso que usavas para te maquilhar. Pinto-me. As pessoas passam por mim e olham. Pensam, algumas dizem
-É tão ridículo. É que se eles ainda fossem alguma coisa de jeito.
E têem razão. Ainda assim, estou mais perto de mim. Era isso que precisava.
Tu morreste ontem. Porque é que te digo, parece uma tentativa idiota de informar outra pessoa. Mas não consigo evitar: Tu morreste ontem. Deixaste-me o lápis e um beijo vermelho num guardanapo. E hoje roubei-te para ser eu.

3

Tenho feito sexo muito melhor. Agora fico eu em cima. Agora é ela que me olha, é ela que quer ser eu.

1 comentário:

IN disse...

EU JA TINHA LIDO ISTO MAS TIVE DE VIR LER OUTRA VEZ! adoooroo ESCREVE MAIS ESCREVE MAIS!